Das F(r)estas da política


Esse é tempo de partido,
tempo de homens partidos.
Carlos Drummond de Andrade.

Acampamento,
Fórum Social Mundial
2005


Uma semana para as eleições. Estou na Universidade de Princeton, Estados Unidos, mas com a cabeça mergulhada nas eleições do Brasil e nas conversas que dia após dia circulam pela internet e redes sociais. Minha companheira e eu conversamos, nos chocamos, emocionamos, irritamos e queremos intervir, lutar pelas ideias, defender o que acreditamos, mas como fazê-lo se não buscando cada brecha possível nos jogos de poder que estão em todos os lugares, em todas as relações, no papo com o vizinho, na mensagem de e-mail, nas escolhas de como, aonde vou e, principalmente, com quem vou. Do outro lado da mensagem, um velho amigo dispara curto e grosso: “- E aí mano, segundo turno, não vai se posicionar não?”.

Texto curto se não a paciência dos amigos cansa. 2002, Avenida Paulista pós vitória do Lula, eu carregava minha sobrinha de sete anos no colo, pulando, os dois felizes, embora talvez por motivos diferentes, ela descobrindo afetivamente que política é festa porque é esperança, utopia que, às vezes, se cumpre rápido e, quando vê, já foi, acabou. Eu, feliz de ver o operário no poder, o PT no poder, o discurso da justiça social na boca de quem acreditava capaz de alcançá-la. Muitos anos antes eu descobria, pequeno como minha sobrinha, moleque nas ruas de São Bernardo, a política como utopia, fazendo campanha para partidos de esquerda nas ruas. Ia com meu tio, um chileno que se exilou no Brasil por conta da ditadura que massacrou um projeto socialista democrático (de voto nas urnas, reforma agrária, redistribuição de renda, reorganização radical da política, economia e cultura). Muitos anos depois, 2013, junho e suas manifestações. Eu apoiava a causa do transporte público, saúde, educação, mas hesitava ir às ruas, pela violência que ia se processando e essa tal de falta de tempo, que tão democraticamente se instala em nossas vidas. Minha sobrinha e amigos em suas atitudes cobravam, “Como assim, não vai?”, e lá fui eu, com minha esposa ao lado dos amigos, irmã e dessa pequena que descobria por si e seus amigos que política se faz “caminhando e andando e seguindo a canção...”. Esta família é uma estranha utopia mesmo, teimosa de acreditar num sonho de justiça social e liberdade que já fez muita gente sorrir do outro lado da Cordilheira dos Andes e que, tanto aqui como lá, continuam os mais velhos acreditando e os mais jovens aprendendo a acreditar. Mas não são iguais os caminhos do aprendizado.
Aprendiz de cientista social em universidade pública (outra utopia...) passei a curtir os ideais familiares de outro jeito, aprendendo mais sobre esses pensadores revolucionários que ainda hoje assustam tanta gente, como os comunistas e os anarquistas. Mas também aprendi, e gostei,  sobre esses outros tão facilmente classificáveis como conservadores, elitistas e daí por diante. Era se sentir um pouco como Pedro Archanjo, o personagem de Tenda dos Milagres, que dizia “eu antes sabia algumas coisas, mas não sabia saber” e a universidade foi muito importante para isso, tanto pelas aulas e livros, como pelas festas e cervejas com amigos, partidos também eles em suas diferentes opções políticas, como éramos e como somos.

Um dedo de prosa a mais. Mas a universidade não bastava, e muitos de nós queríamos o contato com o “povo”, a “sociedade”, os “proletários”, os “trabalhadores”, queria mais, queria que essas classificações tivessem carne e osso, nome e endereço, queria encontrar “el hombre sencillo” de que falava Pablo Neruda prometendo poeticamente que ele um dia ganharia, que seria o dia em que todos ganharíamos (http://www.poesi.as/pn54027.htm). O Fórum Social Mundial, visitado de carona e com muitos amigos em 2004 e 2005 prometia um bocado de outros desejos aos jovens acampados, festivamente invertendo mapas em nome de “Um outro mundo é possível” (http://www.forumsocialmundial.org.br/index.php). As ONGs e as políticas públicas do PT abriram essa caminhada para muitos amigos, e no meu caso, me levou a trabalhar para criação de cooperativas em quebradas de São Paulo (Jd. São Luís, Cangaíba, Itaim Paulista, Vila Nova Cahoeirinha, entre outras) e de Santo André (Palmares, Jardim Santo André, etc..). Mas também encontrei muitos outros companheiros tentando construir mundos melhores em políticas públicas do governo Kassab, como na Secretaria do Verde e Meio Ambiente, comandada por Eduardo Jorge, que sonhou e realizou um projeto de formação de agentes comunitários, tantos deles frustrados pela estrutura precária em seus bairros, e com as muitas situações do descaso dos médicos que não ficam por muito tempo nas quebradas (Viva o mais médico!). Trabalhando ainda com ações de desenvolvimento e pesquisa, pude conhecer ainda algumas cidades do Mato Grosso, Maranhão, Tocantins e Paraná, onde tantas pessoas também lutavam para melhorar as condições de saúde, de educação ou de trabalho. Tantos homens e mulheres simples que foi possível conhecer, mas tantos mais complexos com quem se pode aprender.

Mas tem que terminar. De volta a Princeton, pequeno paraíso intelectual, berço de liberais e falcões, de fora e de longe acompanho as redes, as notícias, tentamos eu e minha companheira debater com a irmã, a cunhada, a sobrinha, a prima, os amigos. Tentamos participar, e as notícias dos amigos pelo whatsapp deixam tudo tão próximo que é possível sentir que se saíssemos às ruas de São Paulo, poderíamos nos envolver em qualquer conversa, com qualquer um. Mas não tenho as ruas e os amigos perto. Tenho com minha esposa e alguns amigos um pequeno espaço público de conversa, um pequeno comitê de campanha que sonha em ajudar o debate, a politizar mais nosso mundo, lembrando que política é festa, é sonho e utopia. Mesmo que as conquistas sonhadas por uma geração, ou por muitas gerações, só se alcancem por pouco tempo ou aos poucos, um tesouro perdido, que com família, amigos ou qualquer um podemos seguir procurando. Contra o racismo, o sexismo, o extermínio indígena, o extermínio dos recursos naturais, o monopólio e a mediocridade dos meios de comunicação e tantas outras coisas ainda por fazer.


Onde está isso agora, a festa, a esperança, a possibilidade? Até a semana que vem - domingo 26 de outubro de 2014 - está com Dilma, estamos com ela. A partir de segunda-feira, 27 de outubro, com ela eleita, as lutas seguem para sustentar as políticas e para reconstruir coerências. E se não der? Se não der, seguiremos procurando as flores feias crescidas nos asfaltos na companhia de um Lula, na caminhada de pó e esperança de um Carlitos ou com Salvador Allende, à espera de que se abram novamente grandes alamedas para que caminhem  mulheres e homens livres, em busca da construção de um mundo melhor.

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